Chronicles of the Wolf é um grito saudosista das sombras de Gevaudan

Um Metroidvania que reverencia o passado com coragem e entrega uma jornada que pulsa nostalgia, desafio e alma.
Entre os devotos do estilo Metroidvania, o nome Migami Games surge com um sentimento de reverência. O estúdio francês, conhecido por suas obras que prestam tributo à série Castlevania, consolidou sua reputação com os aclamados The Lecarde Chronicles e sua sequência. Agora, com Chronicles of the Wolf, a desenvolvedora mergulha ainda mais fundo no poço da nostalgia, resgatando as raízes do gênero com uma fidelidade que é tanto bela quanto brutal.
Chronicles of the Wolf é, essencialmente, um lembrete vívido do que fazia os jogos antigos tão únicos — e difíceis. É duro, é enigmático, é quebrado em alguns momentos… e é justamente por isso que é tão maravilhoso. Migami não tenta suavizar as arestas; pelo contrário, ela as expõe. O jogo abraça sua herança retrô com orgulho, fazendo ecoar o espírito de um tempo em que o jogador era desafiado a cada passo, sem bússola ou mão guiando o caminho.
Ao mesmo tempo, há inovação sob a poeira do passado. Embora utilize o arcabouço clássico — mapa extenso e interconectado, progressão baseada em habilidades, combate exigente e múltiplos finais — o jogo também faz uso de elementos que remontam aos clássicos, como Castlevania II: Simon's Quest, Xanadu e The Maze of Galious. Isso resulta em uma experiência que é ao mesmo tempo familiar e inesperada, abrasiva e recompensadora.
A ambientação é um espetáculo à parte. Inspirado no lendário caso do "Lobo de Gevaudan", Chronicles of the Wolf mergulha em um universo gótico carregado de atmosfera, onde o real e o sobrenatural se entrelaçam com maestria. É raro ver um Metroidvania que respeite tanto sua narrativa quanto sua jogabilidade, e esse equilíbrio é uma das grandes conquistas do título. A conexão com o filme A Irmandade do Lobo é perceptível, mas o jogo vai além da referência — ele reimagina o folclore com personalidade própria.
Outro elemento que contribui de forma inestimável para essa imersão é a trilha sonora magistral de Jeffrey Montoya. Em questão de minutos, somos transportados pelas melodias que parecem saídas diretamente da era dourada dos Castlevania. Do clássico ao gótico, a trilha oscila com maestria entre tons sombrios e momentos de pura tensão heróica, sendo sempre um deleite para os ouvidos enquanto enfrentamos masmorras labirínticas, castelos decadentes e florestas sombrias. É impossível não fazer paralelos com as trilhas icônicas que definiram o gênero, e Montoya, aqui, se firma como um nome digno de estar entre os grandes.
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Jogando como Mateo, o protagonista, o jogador inicia com poucos recursos e poucas opções de exploração. Mas conforme avança, encontra novas habilidades, armas e equipamentos que abrem caminhos anteriormente inacessíveis, evocando aquele ciclo viciante que os fãs do gênero conhecem bem. O combate é intenso, desafiador e recompensador, com destaque especial para a habilidade de deslizar, que serve tanto para fugir de ataques brutais quanto para atravessar lacunas com estilo e velocidade. Pode parecer simples, mas se torna um dos pilares de fluidez do jogo — uma solução de design tão funcional quanto divertida.
Mas nem tudo é deslizar em glória. O jogo também herda os tropeços de seus antecessores espirituais. A movimentação de Mateo é por vezes rígida, e as plataformas exigem mais paciência do que reflexo, especialmente nos momentos finais, onde a dificuldade se intensifica em segmentos longos e punitivos. Essa fidelidade ao passado é charmosa para alguns, mas pode ser frustrante para quem se acostumou com a precisão polida de Hollow Knight ou Ori.
A ausência de recursos modernos de qualidade de vida é um ponto crucial. Sem marcadores no mapa, com quebra-cabeças crípticos e missões secundárias que dependem de exploração quase cega, o jogador se vê muitas vezes vagando sem rumo, em busca de um NPC ou item que poderia estar em qualquer canto do mapa. Essa escolha de design, embora coerente com a proposta retrô, testa os limites da paciência e da persistência — exatamente como nos velhos tempos.
No entanto, é justamente aí que Chronicles of the Wolf revela sua verdadeira identidade: ele não quer agradar a todos. Ele existe para um público que sente falta das imperfeições. Para quem valoriza o silêncio entre pistas, a recompensa pela tentativa e erro, a sensação de que cada passo em direção ao progresso foi conquistado, e não dado.
O jogo anterior da Migami, Wallachia: Reign of Dracula, era um side-scroller de ação linear. Já Chronicles of the Wolf é um Metroidvania com todas as letras, tanto em sua estrutura quanto em sua alma. A influência de Symphony of the Night é gritante e orgulhosa, mas o jogo não se contenta em ser apenas uma cópia — ele é uma carta de amor com identidade própria, com variações que o impedem de ser apenas mais um clone.
Se Symphony of the Night é o ouro do gênero, Chronicles of the Wolf é a prata envelhecida que ainda brilha com beleza rústica. Sua homenagem não é apenas estética mas conceitual, emocional, mecânica. É um daqueles jogos que parece ter sido congelado no tempo, mas que ao mesmo tempo tem coisas novas a dizer.
Chronicles of the Wolf não é perfeito, mas é corajoso. Não é um jogo para todos, mas para aqueles que crescem com ele — ou melhor, para aqueles que lembram como era crescer com jogos como ele —, ele pode ser a melhor experiência Metroidvania do ano. E isso não é apenas elogio: é um tributo ao que o videogame já foi, e ao que ainda pode ser, quando feito com alma, coragem e paixão.


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Marcos Paulo I. Oliveira
MPIlhaOliveira
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