Death Stranding é uma experiência que não se explica. É preciso vivê-la!

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Death Stranding transcende o entretenimento e se transforma em uma jornada íntima, emocional e inesquecível.

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Hoje em dia, é quase impossível viver no universo dos games e não reconhecer o nome de Hideo Kojima. O criador da lendária franquia Metal Gear Solid, que marcou a era de ouro da Konami, é mais do que um desenvolvedor — é um contador de histórias visionário, que transforma ideias em experiências interativas arrebatadoras. E com Death Stranding, Kojima não apenas se reinventa, ele nos leva a um novo patamar de envolvimento emocional e reflexivo, captando tudo o que há de mais profundo em seu estilo e elevando isso a um nível quase transcendental.

Você se torna Sam Porter Bridges, um homem comum encarregado de uma missão extraordinária: reconectar os escombros de uma civilização despedaçada após um evento de extinção devastador. Em um mundo onde sair de casa é desafiar a morte, os entregadores como Sam são os últimos laços entre as pessoas. Não são heróis épicos ou soldados armados — são portadores de esperança, de vida, carregando o essencial entre cidades isoladas, em um cenário onde até mesmo o básico, como comida e remédio, tornou-se um luxo.

E como é típico do gênio de Kojima, essa premissa simples se transforma em um oceano de temas complexos, com uma narrativa que é ao mesmo tempo grandiosa e intimista. Sam se vê envolvido em eventos que escapam ao entendimento humano, mas sua missão permanece — atravessar, passo a passo, carregando o peso do mundo nas costas e trazendo à tona o significado mais puro da palavra conexão. A América que resta é uma ideia, uma promessa — e Sam é o fio condutor entre os pedaços dessa utopia despedaçada.

O mundo de Death Stranding é de uma melancolia brutal e hipnotizante. Cada centímetro do cenário, cada nuvem no céu cinzento e cada trilha solitária ressoam com um sentimento de perda, medo e isolamento. Desde as entidades fantasmagóricas chamadas BTs até terroristas determinados a impedir a reunificação da humanidade, o jogo constrói um universo profundamente sombrio, onde a esperança é quase um suspiro — mas que justamente por isso, quando aparece, é de cortar o coração.

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A atmosfera é um personagem à parte. Não é apenas pano de fundo: é opressora, viva, imersiva. Poucos jogos conseguem transformar o silêncio e a solidão em linguagem narrativa tão poderosa quanto Death Stranding. E é nessa paisagem devastada que encontramos beleza: uma beleza silenciosa, melancólica, arrebatadora. O pós-apocalipse de Kojima não grita, ele sussurra — e se você escutar com atenção, vai ouvir ecos do mundo real, das dores humanas, da urgência de se reconectar.

A narrativa, como esperado, é densa e cheia de camadas. Kojima tem muito a dizer — sobre vida, morte, isolamento, conexões. É uma história que se desenrola devagar, como um rio profundo, revelando aos poucos seus mistérios, suas intenções, suas verdades. As cinco primeiras e últimas horas do jogo são imersivamente cinemáticas, intensas, dramáticas. E mesmo no miolo da campanha, onde a ação se dilui um pouco, há sempre algo que mantém o coração atento. Seja uma revelação sutil, um diálogo tocante, ou apenas o vazio contemplativo da próxima montanha a ser escalada.

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O elenco dá vida a esse mundo de forma magistral. Troy Baker, Tommie Earl Jenkins e tantos outros oferecem atuações tão humanas, tão palpáveis, que é impossível não se envolver, não sentir com eles, não carregar seus fardos emocionais junto com os físicos.

Mas nem tudo é perfeito — e isso, de certa forma, humaniza ainda mais a experiência. A premissa central do jogo gira em torno de grandes mistérios, e parte da satisfação que ele proporciona está diretamente ligada à forma como essas perguntas são respondidas. Embora muitos arcos pessoais sejam bem amarrados, algumas das grandes questões do mundo de Death Stranding ficam suspensas no ar, apenas sugeridas. A sensação de que ainda há muito por revelar deixa um gosto agridoce — como um sonho do qual você acorda cedo demais.

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Essa mesma lentidão com que a história se desenha também se reflete no ritmo da jogabilidade. Death Stranding não é um jogo de ação tradicional. Desde o início, fica claro que não será uma jornada explosiva ou repleta de adrenalina. O ritmo é deliberadamente calmo, contemplativo, quase meditativo. E conforme você mergulha nas mecânicas, o jogo vai se tornando cada vez mais envolvente, quase como uma dança entre o jogador e o terreno.

Mas esse início é um teste. As primeiras horas, marcadas por longos momentos de exposição fragmentada e aprendizado gradual, podem parecer um pouco áridas. O jogo exige que você confie, tenha paciência e se entregue. E se você o fizer, a recompensa é uma das experiências mais singulares e emocionais que um videogame pode oferecer.

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Um dos reflexos não intencionais do meticuloso planejamento exigido por Death Stranding é que ele desencoraja as missões secundárias. O esforço necessário para qualquer entrega — tempo, recursos, rotas — acaba fazendo com que atividades paralelas pareçam um fardo pouco compensador. E como muitas dessas tarefas carecem de motivação narrativa forte ou objetivos realmente instigantes, elas passam a parecer irrelevantes diante da grandiosidade da missão principal.

Ainda assim, há elementos no jogo que surpreendem pela complexidade e impacto. Voidouts são um exemplo claro disso. Diferente das mortes convencionais, que simplesmente retornam o jogador a um checkpoint, ser consumido por um BT desencadeia uma explosão catastrófica, resultado da colisão entre matéria e antimatéria — e essa explosão deixa uma cratera permanente no mundo do jogo. Não é apenas um efeito visual: é uma mudança real, tangível. Estruturas construídas por você ou outros jogadores naquela área são apagadas, e o cenário só volta ao normal com o tempo, por meio da Queda do Tempo.

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É um sistema genial, porque o jogo te dá as ferramentas para evitar completamente que isso aconteça. Você pode se abrigar até a chuva passar, desviar das zonas infestadas, evitar o confronto com humanos — ou, se o confronto for inevitável, utilizar apenas armas não-letais. Em minha jornada, Voidouts sempre foram uma ameaça latente, uma sombra pairando ao fundo, mas que raramente se concretizava. E isso torna tudo ainda mais interessante: um evento colossal que talvez nunca ocorra — a menos que você permita. Essa liberdade de escolha, essa tensão silenciosa, é mais um dos acertos brilhantes de Kojima.

Claro, nem tudo vai ressoar com o mesmo impacto para todos. O loop de jogabilidade — centrado em caminhar, planejar e atravessar terrenos — pode, para alguns, parecer entediante. E é compreensível: não há ação constante, explosões a cada esquina, tiroteios frenéticos. Mas para quem se entrega, há uma recompensa rara: a caminhada se torna algo quase meditativo, um convite à introspecção. Cada viagem é um desafio logístico e emocional. Cada montanha cruzada, uma conquista silenciosa.

Visualmente, Death Stranding é um colírio para os olhos. A Decima Engine faz um trabalho primoroso ao dar vida à paisagem, mas é o design artístico que a eleva: é um mundo belamente devastado, imponente em sua tristeza. No entanto, há certa monotonia na ambientação. A variedade de biomas é limitada, e as cidades visitadas tendem a ser versões repetidas de um mesmo modelo — o que, com o tempo, diminui o impacto que poderiam ter. Não chega a comprometer a experiência, mas é um ponto onde havia espaço para algo mais ousado. Jogando no Xbox Series S, pude contemplar cada paisagem com seus detalhes ao longe, mostrando o porque os jogos da Sony que usam esse motor gráfico são aclamados. Além da qualidade de narrativa, o lado técnico é exuberante.

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Um dos aspectos mais fascinantes e originais do jogo é o Social Strand System, o sistema multiplayer assíncrono. Ele permite que as estruturas e itens deixados por outros jogadores se integrem ao seu mundo. Você atravessa uma ponte que alguém construiu. Você recebe ajuda de alguém que nunca verá. E você pode retribuir — deixando materiais, construindo estradas, melhorando rotas. Tudo isso sem trocas diretas, sem diálogo. Apenas cooperação silenciosa, altruísta, quase poética.

É um conceito maravilhoso, mesmo que seu impacto não seja vital à experiência central. Você pode jogar totalmente offline e ainda assim aproveitar toda a profundidade do jogo. A diferença está na jornada: com ajuda, ela se torna mais fluida; sem ela, mais desafiadora, mas nunca impossível. O sistema de curtidas, que reflete o quanto sua presença ajudou outros jogadores, é uma adição sutil — e embora não mude radicalmente sua progressão, funciona como um lembrete tocante de que suas ações importam.

No que diz respeito ao combate e furtividade, Death Stranding claramente os trata como secundários. Eles estão lá, mas não definem a experiência. Fora algumas sequências roteirizadas, o confronto direto pode ser evitado. Quando inevitável, as mecânicas funcionam, mas sem grandes inovações. Há toques criativos — como transformar seu próprio sangue em arma — mas, no geral, os embates seguem uma fórmula básica. Até mesmo as lutas contra chefes, visualmente espetaculares e carregadas de contexto, carecem de profundidade mecânica. Ataque até a barra de vida zerar, e pronto. Sem mudanças de padrão, sem estratégias exigentes — salvo uma exceção que, por respeito à descoberta do jogador, é melhor deixar oculta.

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No fim, o que Death Stranding entrega é uma experiência que não se molda às expectativas tradicionais. É um jogo que não agrada a todos — e, ainda assim, segue sua visão com coragem e integridade. Pode frustrar os impacientes, pode parecer lento para os ansiosos. Mas para quem se permite sentir, caminhar, escutar, observar... é uma jornada inesquecível. Kojima não criou apenas um jogo. Criou um espaço para reflexão, para conexão, para isolamento. Um paradoxo envolvente entre estar sozinho e nunca se sentir solitário. E talvez esse seja o maior legado de Death Stranding: nos lembrar de que sempre há alguém do outro lado, construindo pontes invisíveis — mesmo que a gente não o veja.

Como último comentário, agora que Death Stranding 2 está entre nós, espero que essa análise possa conduzir aqueles que não tiveram oportunidade de jogar o primeiro jogo e deem essa chance. E espero que as questões burocráticas e de negócios também me permitam jogar a sequência no meu console de escolha, uma vez que acredito que jogos não podem e não devem ser mais centralizados em determinadas plataformas, mas sim um acesso mais amplo onde quer que estejamos. Mas, vou deixar esse assunto para outra hora...

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