South of Midnight: Uma jornada sobrenatural entre fantasmas, feridas e fé

Joguei e fui marcado para sempre! A magia densa, o folclore sulista e a dor invisível tornam esse jogo muito mais do que uma aventura gótica.
South of Midnight me pegou de jeito. Não apenas por sua estética marcante ou pelas criaturas folclóricas que saltam das sombras do sul dos Estados Unidos, mas pela carga emocional e temática que carrega. Quando assumi o papel de Hazel Flood, uma jovem à procura da mãe desaparecida após um furacão devastar a cidade de Prospero, não esperava mergulhar em um universo tão profundamente simbólico e doloroso.
Ao longo da jornada, descobri que Hazel é uma Tecelã – alguém capaz de ver e interagir com o mundo espiritual, onde feridas emocionais e traumas se materializam em entidades e distorções. Esse conceito não é apenas brilhante, é brutalmente humano. O que se segue é uma odisséia sobrenatural embebida em folclore sulista, com encontros que beiram o mágico e o perturbador.
Conheci figuras como o Two-Toed Tom, um enorme bagre mítico, e o temido Shakin’ Bones, uma entidade que parece ter saído de uma fusão entre voodoo e mitologia grega. Mas o que me impactou de verdade foram os contos locais mais obscuros, como o da Huggin' Molly – uma espécie de fantasma disciplinadora de crianças – e o Altamaha-ha, um monstro fluvial com raízes na tradição Muscogee. Tudo isso é contado com um respeito raro, que celebra e assombra ao mesmo tempo.
Mas o que realmente me fisgou foi o significado por trás das sombras. O trabalho de Hazel como Tecelã envolve curar feridas deixadas por atos hediondos – abusos, injustiças e dores invisíveis. Em certo momento, me vi contemplando os fantasmas de escravizados tentando encontrar redenção, ou a dor silenciosa de uma mãe tentando proteger crianças que o sistema esqueceu. Foi nesse ponto que percebi que South of Midnight não é apenas um jogo – é uma carta aberta sobre trauma, perdão e resistência.
O jogo também não foge dos temas difíceis: fratricídio, bullying, abuso animal, racismo. E mesmo assim, ele é fundamentado em esperança – na ideia de que sempre há alguém tentando ajudar, de que há formas de curar as feridas do passado, e que o amor entre pais e filhos é uma força imbatível.
Visualmente, é um espetáculo. O uso de animação em stop-motion nas cutscenes dá um charme de fantasia gótica que me prendeu desde o primeiro frame. E a trilha sonora – composta por Olivier Derivière – é um capítulo à parte: blues melódico, música country e hinos negros norte-americanos se misturam com letras que dialogam com os chefes ou os sentimentos de Hazel, amplificando cada momento importante.
Na mecânica, há muito o que elogiar. Os 14 níveis apresentam desde pântanos lúgubres a cidades flutuantes estilo Nova Orleans, e Hazel adquire uma variedade de habilidades mágicas para exploração e travessia: garra espectral, ventos ascendentes, feitiços de solidificação e até um ajudante voodoo animado chamado Crouton. É uma mistura deliciosa de misticismo e criatividade, embora...
... eu tenha sentido falta de mais profundidade nos quebra-cabeças. Muitos deles são simples demais. Às vezes, bastava apenas acionar um botão escondido com Crouton ou arremessar uma pedra. Com o universo tão rico, o design de puzzles poderia ter mergulhado mais fundo no mistério e na engenhosidade.
E o combate... aqui está a fraqueza mais notável. Pouca variedade de inimigos, lutas previsíveis e encontros que se tornam repetitivos. Mesmo com as mecânicas criativas de Hazel, senti que a ação nunca alcança o mesmo impacto da narrativa. Mesmo assim, embora esse deslize, em nada tira o prazer de atacar, esquivar e realizar combos contras as entidades do além.
A estrutura dos níveis contribui para essa sensação de repetição: entra-se em uma área, elimina-se uma onda de inimigos, assiste-se uma cena do passado, repete-se. Somente as sequências de perseguição com entidades sobrenaturais trazem um real senso de urgência e novidade.
Mesmo assim, com tudo isso considerado, South of Midnight é um jogo que me marcou. Em suas 8 a 10 horas de campanha, ele entrega uma das histórias mais poderosas e sinceras que já experimentei no meio. É uma declaração corajosa sobre dor, fé, amor e identidade, e mesmo que peque na ação, brilha onde realmente importa.
South of Midnight me fez lembrar por que ainda sigo gostando de videogames: porque eles têm o poder de curar, assombrar e, acima de tudo, contar histórias que nunca vamos esquecer!


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Marcos Paulo I. Oliveira
MPIlhaOliveira
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